domingo, 9 de outubro de 2011

O Concerto para Piano e Orquestra nº 1, de Tchaikovsky: arte e verdade

Marco Antonio Schmitt

“Notável” deve ser o adjetivo mais apropriado para descrever a noite de 25 de junho de 2002, no Teatro da Ospa da Avenida Independência. Tratava-se do 8º Concerto Oficial da Temporada da Orquestra, no qual seriam executadas obras de Beethoven e Tchaikovsky. Deste último, o Concerto nº 1 para Piano e Orquestra. A regência era de Tulio Belardi e o solista, Julian Bello. A notabilidade: era a primeira vez (e única!!) que veria a execução ao vivo do Concerto para Piano de Tchaikovsky.
O caso é que este Concerto, que merece sempre a inicial maiúscula, é uma fascinante e empolgante obra musical para um sem número de pessoas. É indutora de emoções variadas, que vão da efusividade contagiante aos momentos de intimismo e apreciação da técnica do solista. Não é por outro motivo que se o considera o mais popular em seu gênero.
Cada um dos três movimentos do Concerto tem peculiaridades interessantes, que remetem a situações exteriores à trama musical em si e, dessa forma, suscitam questionamentos relacionados às teorias sobre o que é a arte e a relação entre esta e um conceito de verdade.
Tomando-se o primeiro e mais longo dos movimentos, sua magistral introdução é seguida por uma melodia que Tchaikovsky teria ouvido na cidade de Kamenka, na Rússia, executada por músicos de rua cegos (WIKI, 2011). Esta referência é importante para caracterizar uma obra de arte?
Se considerarmos a teoria da arte como imitação, esta é uma informação importante. A melodia das ruas de Kamenka não é algo representativo artisticamente, pois sua execução visava apenas gerar compaixão nos transeuntes e obter algum dinheiro. No Concerto esta melodia assume uma forma artística na medida em que imita esta passagem histórica que o autor vivenciou.
O Concerto pode, de outra forma, ser uma obra que exprime os sentimentos de Tchaikovsky. A descrição feita por Luiz Roberto Lopez no livreto da OSPA de 2002 tem essa conotação, ou tenta alcançá-la:

O segundo movimento é uma preciosidade lírica e melódica. Abre com um tema de flauta que lembra o encanto de Chopin. O violoncelo, posteriormente, lhe acresce um tom melancólico. Quanto ao piano, borboleteia o tempo todo ao redor dessa sublime melodia. Há um trecho intermediário e rapidíssimo, de puro virtuosismo pianístico, mas sem dramaticidade: a música convida a dançar, divertir-se e rir. O movimento termina num clima de suavidade e paz.

No mesmo trecho também há referências quanto à relação entre arte e verdade. Será mesmo que a música convida a dançar, divertir-se e rir? O violoncelo é melancólico na parte em que é executado? Estas são questões que sempre se apresentam quando se está falando sobre um sentimento estético. Sua relevância, certamente, varia conforme as diferentes formas de expressão artística – na pintura de certo período histórico, sobre movimentos revolucionários, por exemplo, a maior ou menor violência retratada será necessariamente confrontada com a noção de realismo ou idealismo. Na música, especialmente no Concerto que analisamos, esta não é uma condição tão importante, mas também não é descartável.
O terceiro e último movimento é a parte mais alegre do Concerto (Allegro con fuoco). Nele há uma referência à música popular. Tchaikovsky utilizou-se de uma canção de primavera extraída de uma coleção de músicas folclóricas ucranianas de Rubec (TCHAIKOVSKY PIANO MUSIC, 2011). Se adotarmos a teoria da arte como significante, o Concerto pode ser descrito neste movimento em especial como uma obra triunfal, que chama o público a celebrar o final de uma jornada composta por dois movimentos anteriores inclinados para a técnica e virtuosidade do solista, associadas a um convite para reflexão das passagens mais silenciosas.
           Enfim, os diferentes modos de analisar o Concerto nº 1 podem ser mais ou menos fiéis ao que a obra, objetivamente, é. Cada um dos modos toma um ângulo diferente e os infinitos ângulos possíveis, se somados, ainda assim não seriam uma análise completa. Se o suposto ângulo final reencontrasse o primeiro, o Concerto já se teria elevado a outro plano que exigiria nova análise, em revisão às análises preliminares então superadas.

Referências:
 
PIANO CONCERTO Nº 1 (TCHAIKOVSKY). In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2011. Disponível em: . Acesso em: 9 out. 2011.
TCHAIKOVSKY PIANO MUSIC. Disponível em: . Acesso em: 9 out. 2011.


(Ensaio apresentado para a disciplina de Estética, semestre 2011/2, Prof. Dr. Ronel Alberti da Rosa, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUC-RS, Porto Alegre)